Pois é, já cá estamos. Estafados, mas felizes. Hoje foi um dia em cheio para o Afonso. Começou a escola de Verão e vai aqui passar 6 semanas a aprender a bela língua de Sua Majestade. Não se deve safar mal. Saído há instantes de Heathrow começou a reparar que estávamos a passar debaixo de um "big" túnel. Já me disse algumas vezes OK (mas com o british accent que a coisa merece). A pequenita também já pede bubérris (blueberries) que comprámos. A parte da comida está a ser difícil, até para mim. Será que estas almas não bebem iogurtes líquidos normais? E massa de pimentão, não conhecem?? Os pequenos-almoços têm sido a parte mais complicada. Não gostam do pão, não gostam do iogurte, não gostam do queijo... Hoje houve direito a pastéis de nata depois do almoço e foi uma festa.
A rede de transportes de Londres é realmente fantástica, chega-se a todo o lado. Ainda não tivemos tempo para conhecer grande coisa, temos ficado aqui por perto de casa. Estamos numa zona muito bonita, com muito verde e prédios muito engraçados. As compras são uma perdição. Estava à espera de encontrar uma cidade com tudo caríssimo (e por um lado, é), mas naquelas coisas tipo roupa e calçado vai dar ao mesmo que em Portugal, com algumas coisas de marca até mais baratas. Agora vai custar-me um bocadinho viver num apartamento que tem praticamente a mesma área que a sala da minha casa em Portugal, mas uma pessoa habitua-se a tudo. A casa onde estamos é realmente pequena e com os miúdos é difícil manter a ordem, mas eles até estão a fazer um esforço por manter as coisas (mais ou menos) organizadas.
Agora vou ligar a máquina de café que comprei para ver se consigo beber um café decente sem que me peçam o couro e o cabelo.
Caí em mim.
O que é que eu vou escrever no campo Profissão/Ocupação quando estiver a preencher formulários daqueles com que inevitavelmente me vou deparar?! Doméstica?! (detesto - parece-me a antítese de selvagem!). Deverei optar por uma coisa mais sofisticada, do tipo Presidente do Conselho de Administração da nossa casa?! CEO da família? Responsável pelas áreas de Logística, Aprovisionamento, Manutenção, Gestão Financeira, Gestão Orçamental, Gestão de todos os tipos de recursos e mais alguns? Ou um mais realístico ex-futura professora no desemprego convertida em técnica da qualidade por meio de uma pós-graduação (mestrado executivo, é como se chama agora, que é mais chique) neste momento de licença sem remuneração por 3 anos?
Aceito sugestões. E caso opte por esta última, aceito também uma tradução para inglês.
Tenho mais coisas do que preciso pensava.
As malas de 120 litros afinal não são assim tão grandes.
As raparigas têm mais roupa que os rapazes.
Já fui muito mais magra ( menos gorda, vá) do que agora - o que, vendo bem, é uma vantagem - assim tenho muito menos roupa para levar, porque a maior parte das coisas não me serve.
Sou assinante, cliente e destinatária de muito mais serviços do que aqui consigo reproduzir.
Por agora é tudo.
Ouvi uma expressão que estava enterrada nas profundezas do meu cérebro e que me fez recuar mais de 20 anos.
LOAD ASPAS ASPAS ENTER
Dia de trabalho.
O Afonso tem-me feito lembrar algumas vezes da personagem interpretada pelo Jack Nicholson neste filme. Claro que não é tão acentuado, mas ele tem umas nuances de Melvin Udall. Por exemplo, quer sempre estar do lado (que ele interpreta como) esquerdo. Nos elevadores, no carro, nas mesas, no meu colo quando falamos com o pai no skype. Se eu tiver coisas nas duas mãos e lhe perguntar o que ele quer, ele quer sempre o que eu tiver na mão esquerda.
Nos centros comerciais ou superfícies com o chão desenhado, só anda nas figuras de uma certa cor, ou só em cima dos riscos.
Não gosta que misture os alimentos e come tudo em separado.
PS: não acho que o miúdo seja obsessivo-compulsivo. Só achei piada à analogia.
A cena passa-se num fim de tarde em que as criaturas estavam endiabradas e eu não conseguia despachar o jantar. Então lembrei-me que tinha um saco cheio de ervilhas para descascar e resolvi pô-los a trabalhar, que de pequenino se torce o pepino. Assim matava dois coelhos de uma cajadada. Eles sossegavam (caso não começassem à pancada por algum motivo idiota) e eu ficava com a tarefa (chata para mim) concluída. Dei-lhes um saco para as cascas, uma taça para deitar as ditas ervilhas e pus duas cadeiras lado a lado com os utensílios ao meio (tudo equidistante dos dois, que senão dava a confusão do costume - ó mãe ela tem as ervilhas mais perto e descasca mais que eu! ó mãe ele não me deixa chegar ao saco das cascas! ó mãe eu não chego à taça! ) Tudo a postos, começa o trabalho. Claro que não podia ser uma actividade pacífica. Dois segundos depois de começarem, já estavam a ver quem descascava mais e mais depressa. O Afonso, que não gosta nada de ficar para trás, começou a aperceber-se que a irmã estava a ser mais rápida e começou a tentar atrapalhá-la; que não era assim que se descascava, que a maneira de as deitar na taça também não estava bem, enfim, a tentar distraí-la para ver se a apanhava. Sem ver resultados, opta pelo plano B. Pára tudo! Novas regras, diz o chefe. Ele, magnânimo como ele só, ia dar à pobre a irmã uma oportunidade que ela não podia recusar. As regras eram: ela ficava quieta, sem descascar uma única ervilha. Contava as que ele descascava e, no fim..... TCHARAN!! A última ervilha era para ela descascar. Ahhh! Mas não seria uma ervilha qualquer, na, na, na. Seria A Ervilha. A melhor, maior, mais rechonchuda que ele encontrasse. O Santo Graal das leguminosas! O mais espectacular prémio que ela poderia alguma vez desejar. A tonta caiu ainda durante uns minutos. Ao ver que aquilo era uma seca para ela, e que ainda por cima só ia ter direito a descascar uma ervilha, quis voltar às regras anteriores. Não foi fácil convencê-lo, mas ela resolveu a questão de uma maneira menos inteligente mas mais eficiente, e a melhor que ela conhece: à chapada.
Já consigo beber os cafés que tiro da máquina.
Claro que não se aproximam dos que me costumas servir, mas eu chego lá.
Para ires digerindo. Assim, quando voltares, o impacto não é tão violento. Sabes que isto das hortas não é para mim... Sabes que se me perguntares se tenho plantas no meu gabinete, nem faço ideia. Às vezes apanho umas rosas, deitam um cheirinho tão bom. E estas, de Santa Teresinha, são lindas, lindas. Agora as hortícolas, estão assim um bocadinho negligenciadas.
De modos que é isto:
Por mais que as faça, não me consigo organizar por dentro. Isto é tudo fantástico, toda a gente diz. E eu se estivesse no vosso lugar também diria. Agora, a mim, que sempre andei mais ou menos pelos mesmos sítios, custa-me um bocadinho enfrentar mudanças grandes. Quem me conhece mesmo bem sabe que sofro de uma angústia estranha quando mudo de casa. Mesmo que a casa de onde saio não me diga grande coisa. É a desinstalação que me mói. Novos cheiros, novas rotinas, novas cores. Passa-me, não demora muito, mas consome-me. O meu bungee jump está quase a acontecer. No fim deste mês mudo de casa, de cidade, de país. Pego na trouxa e vou. Vamos. Vai ser óptimo para os miúdos, dizem. E eu acredito nisto durante 23h55m dos meus dias. E agora a organizar as minhas check lists, cancela isto, liga para ali, emite o documento XPTO, fico neura.
Finalmente vou perceber o que significa ter saudades da luz de Lisboa. Quero Não quero Quero não quero. VOU.
Demorei algum tempo a perceber porque é que hoje me estava a cruzar com mais gente estranha do que o habitual nos meus percursos casa-trabalho.
Era a fauna que ia para o concerto dos AC/DC.
Venho aqui só dizer que o que o Afonso gostou mais nesta semana foi de....
Andar de táxi (vai uma pessoa gastar dinheiro a ir para um hotel em Porto Santo para quê?? - uma voltinha de táxi tinha feito a festa...)
O que eu gostei menos nestas férias foi ter visto um velho enxotar um cão doente, abandonado, faminto e sedento com uma vara. Chateou-me ainda mais não ter descomposto o velho ali. Só fui capaz de ficar feita parva, de boca aberta. Na minha imaginação, saio de mim, pego na vara e dou no velho, para ver se ele gosta. Deixo-o doente, sozinho e abandonado. A ver se ele percebe que o coitado do cão não tem culpa nenhuma de andar pelas ruas do Alentejo, mais quentes que o inferno no verão, sem nada que beber ou comer e sem ninguém que cuide dele. Saio outra vez de mim e penso que se fizesse ao velho o que o velho fez ao cão, os meus filhos não iam perceber a mensagem de que aquilo não se faz. Mas pelo menos devia ter-lhe dito das boas. E não disse. Acho que o Afonso ao ver aquilo ficou tão aflito como nós. E não foi capaz de dizer nada, também. Só perguntou para onde ia o cão, agora. O cão agora vai procurar outro sítio onde pousar as pulgas, as carraças e as doenças que fazem com que os velhos não gostem dele, pensei eu. Vai tentar não levar mais vergastadas no lombo, que deve ser difícil. Vai tentar fugir, com muita dificuldade, por causa do calor, da sede, das doenças, do seu tamanho e pelagem nada adequadas aos 40º de temperatura que se fazem sentir na rua. Vai tentar fugir dos velhos que lhe batem com varas e que dizem aos gritos na rua que vão pegar nele, atá-lo com uma corda e levá-lo para os campos para lhe darem um tiro.
Cobri-me de vergonha. Pelo cão, por mim, pelos velhos, pelos meus filhos.
a horta já tem direito a etiqueta e tudo
futebol mas só porque estamos em alturas