Do playgroup às segundas-feiras, do buggy walk às terças, do mum&baby yoga às quintas, do family yoga às sextas, de ir ao parque ou à piscina depois da escola, dos playdates com as amigas (e que incluiam almocitos bem catitas), de ter tempo para não andar a correr (excepto quando está quase na hora de ir para a escola e há dois molengões a empastelar o pequeno-almoço), da segurança que se sente - cheguei a contar-vos que na estação do calor as pessoas estacionam os carros e deixam-nos ligados, com a chave na ignição, e vão à sua vida? Nos estacionamentos dos centros comerciais, dos supermercados, etc. Aqui não existem "portas de segurança" nem trancas. As portas da rua são iguais às portas interiores da casa; têm uma fechadura e se não estiverem trancadas abrem também pelo lado de fora.
De hummus, mutabbal, pão turco, kofta kebabs, sheesh tawooks, kube, thai panang curry, thai green curry e todas as coisas que passámos a comer (com gosto) aqui. Dos chocolates, gomas, refrigerantes e demais porcarias a preços escandalosamente baixos.
Das amigas, dos amigos e dos filhos deles. De conviver com eles, com tempo e disposição.
De ir ao souq, de regatear preços mesmo nas lojas de marca.
Desta calma toda que enerva às vezes mas obriga a desacelerar outras tantas.
Lá vamos nós. Sem muita vontade, confesso. Portugal tem impostos, tem frio, tem crise. Já não tem o Sócrates (vamos ver por quanto tempo...), o que pode ser uma vantagem. Mas não se avistam tempos fáceis por aí. No Bahrain as coisas também não estão fáceis. O ambiente está tenso, lentamente a voltar a uma normalidade aparente. Os checkpoints dos militares já quase desapareceram, os tanques já só estão nas zonas mais complicadas. As horas de recolher obrigatório foram reduzidas. Mas até o país se voltar a compor vai demorar bastante tempo. Muitas empresas resolveram sair do país definitivamente. Outras mudaram-se para um dos países aqui à volta. Muita gente se foi embora, alguns temporariamente, outros definitivamente. A vida vai-se vivendo no dia-a-dia, ninguém faz planos para daqui a uns meses, porque tudo pode mudar em poucas semanas.
O que se passou aqui mudou irremediavelmente a perspectiva que os expatriados tinham deste país. Tenho falado com muitas pessoas que viviam perto das zonas onde houve conflitos e muitas estavam em estado de choque com a violência a que assistiram.
Estamos agora na fase de preparar para ir embora, regressar a um portugal igualmente instável e problemático. Vamos matar saudades e trabalhar para rapidamente embarcar em nova aventura. Eu, que detestava mudanças, agora apetecia-me continuar por fora. Conhecer mais países, mais pessoas, mais culturas, mais comidas. Estes quase 2 anos transformaram-nos bastante. As crianças, então, nem se fala. Sabem outra língua, conviveram com culturas super diferentes entre si, fartaram-se de aprender. Todos vamos daqui com os horizontes muito mais alargados que à chegada. Desinstalámo-nos. E foi muito bom.
Os nossos vizinhos do lado da casa antiga gazeavam-nos aos fins de semana com cheiro a incenso. Estes agora nauseiam-nos com um constante e intenso cheiro a fritos. Mas eles só devem comer fritos doces porque é um cheiro a uma espécie de farturas ou pipocas.
E agora como ninguém sai de casa, tem sido todos os dias.
Eu sei que devemos ser a família mais barulhenta do prédio, mas não é caso para nos castigarem desta maneira...
Bahrain em estado de emergência. Declarado recolher obrigatório em algumas zonas da cidade. Grupos de civis armados com paus e ferros a barricar bairros e a bloquear estradas. Preocupação dos ingleses no Facebook: será que dá para ir aos bares esta noite? Estão a ficar com os stocks de álcool em baixo e precisam de ir abastecer. Não deve ser assim tão arriscado, dizem eles.
E deve valer bem a pena, digo eu.
Parece que o inverno acabou ontem. Hoje no centro de Manama estavam 33ºC. É verdade, passei pelo centro de Manama e a rotunda Feira da Pérola estava ao rubro. Cada vez há mais tendas e, calculo, mais serviços se oferecem ali no acampamento. Uma espécie de feira do silvado do médio oriente. Desde tapetes persas a cortes de cabelo, há toda uma panóplia de serviços e preodutos. Sem faltar o chá e a shisha com fartura, claro...
E com 25€ mandei fazer um fofo para oferecer, um vestido para a Francisca (cópia de um que levei de Portugal) e uma camisa para mim (modelo de uma camisa que trouxe também de Portugal). Os 25€ inlcuem o preço dos tecidos e a confecção num costureiro. Muito bom.
A Francisca anda cheia de inquietações sobre o seu futuro. "Com quem é que eu vou casar?" "E que língua vou falar com o meu marido?" "Não quero falar inglês com o meu marido, tenho que casar com um português" "mas agora português só conheço o primo Francisco" "Mãe, posso casar com o primo Francisco?" "E o que achas do Issah? Ele é querido, não é?" "Há também o Sharif, também podia ser com esse...."
Ora bem, nada contra que a rapariga queira planear o futuro, mas esta obsessão com o casamento aos 4 anos ou lhe está na massa do sangue e então não me preocupa demasiado, porque lhe vai passar antes da adolescência, ou então na escola andam a preparar as raparigas para a sua função de casadoiras e aí o assunto já me cheira a esturro...
Por falar nisso, sabiam que aqui, na secção de classificados dos jornais há uma série de anúncios a propor "alianças"? Alianças entre famílias, isto é, pais a anunciarem as suas filhas e filhos disponiveís para acasalamento casamento.
Já não os mando bem vestidos às festas de aniversário. Eram sempre os mais queques e aquele look aqui não pega. Agora só não vão de fato de treino porque me resta um bocadinho de noção. Mas ainda assim conseguem ser sempre os mais arranjadinhos.
Há um ano atrás falava-me o meu querido marido da maravilha que seria viver na Líbia: um país com um futuro por construir, com liquidez, com bom tempo, boa comidinha mediterrânica, muito potencial de desenvolvimento. Mas eu nunca me deixei convencer pelos argumentos. Havia sempre um pequeno "pormenor" que me fazia espécie. Chamava-se Khadaffi (ou Gadafi, como agora se escreve, sei lá eu). Um louco esquizofrénico que, entre outras coisas, se junta a uma manifestação popular a apedrejar a polícia comandada pelo (seu) governo, corta relações com a Suíça (expulsa empresas suiças da Líbia, cancela a emissão de vistos a portadores de passaportes do espaço Schengen, retira diplomatas líbios do país, etc.) depois de um dos seus filhos ter sido preso nesse país, acusado de agressão a dois empregados de um hotel, entre outras coisas próprias de alguém que não está bem da cabeça. Além do mais, na Líbia não existe uma boa infraestrutura em termos de saúde e educação, mesmo para estrangeiros. Por tudo isso, e porque ao menos daqui ainda não foi preciso de sair de C-130, ainda bem que estamos no Bahrain...
Não gosto muito de teorias da conspiração tipo estados Unidos, 11 de Setembro, cabalas, campanhas negras e outras coisas que tais... Mas é muito estranho que ontem à noite se tenham reunido milhares de pessoas numa manifestação de apoio ao regime e os media internacionais não tenham sequer referido este facto. Há um blogue da Al Jazeera news que acompanha ao minuto a situação aqui no Bahrain e o último post foi publicado às 19h (hora local) e referia apenas que o GP de F1 tinha sido cancelado devido à situação instável do país. Não acredito em cenários de preto ou branco, bons vs maus. Sei que há muita gente com razão para estar descontente, mas também vejo que ainda assim há coisas que aqui são garantidas a todos: acesso gratuito a educação, saúde, energia e alimentos subsidiados pelo governo (sabem quanto pagamos de electricidade por mês, por exemplo? Nunca mais de 5€), combustíveis ao preço da chuva, uma carga fiscal quase inexistente sobre as pessoas e as empresas.
Gostava de saber como é que uma manifestação que paralisou as 3 pontes de acesso a Manama pode ter passado despercebida à Al Jazeera, CNN, BBC, etc... Ou será que não ficava bem dizer que há muitos milhares de Bahrainis que não estão a lutar pela liberdade?
A imprensa podia ser mais livre? Claro que sim. A internet poderia ter um acesso menos restrito? Sem dúvida. A resposta aos protestos da semana passada foi desproporcionada e brutal? Ninguém duvida.
O Bahrain tem bastantes coisas em que pode melhorar, como a maior parte dos países deste mundo, mas acho que os media deviam fazer uma cobertura mais imparcial das situações...
imagem da manifestação de apoio ao governo do Bahrain - retirada de uma página do Facebook
Ao 9º dia de protestos lá recebemos o e-mail da embaixada a assegurar que tem todos os meios para nos por fora daqui caso seja necessário. Não era sem tempo
Que as lenga lengas e músicas inglesas /americanas para crianças batem as nossas aos pontos. Não sei se já repararam, mas as letras das nossas músicas infantis são uma tristeza. Cheias de moralismos patetas e consequências tristissimas para as brincadeiras das crianças. Foi o João que perdeu o balão e acaba a música a choramingar (devia ser proibido - se não há finais felizes na infância, quando haverá?); o Manel perdeu a bola e até hoje não sabemos se a voltou a encontrar; foi aquela criança que naquela linda manhã, por ser má, foi infeliz e depois passou a fazer tudo o que a mãe lhe diz. É o galo que apesar de ser bom cantor e ter boa voz, deixou inexplicavelmente de se ouvir. O gato que levou com o pau mas não morreu. E por aí adiante. Se eu quiser músicas mais alegres e com sentido, não encontro muitas. Ao contrário das que temos aprendido aqui. Há músicas para aprender os 5 sentidos, as partes do corpo, os sons dos animais, a fazer movimentos e a coordenar a motricidade - rolar, saltar, galopar, girar, enfim... O António adora muitas delas e dou por mim a preferir cantar-lhe essas do que as nossas...
E quem é que se lembra daquelas brincadeiras com as mãos que as raparigas faziam nas escolas? As nossa músicas para acompanhar as sequencias de palmas eram uma coisa violentíssima ou então sem sentido nenhum:
"Se tu visses o que eu vi, dominó, à porta do tribunal, dominó, as cuecas do juiz(???), dominó, embrulhadas num jornal, dominó (e agora a pior parte); Esta rua cheira a sangue, dominó, foi alguém que se matou, dominó, foi a mãe do meu amor, dominó, da janela se atirou! DO-MI-NÓ!"
"Eu fui a belgica, de avião, no aeroporto encontrei um borrachão. Pisquei-lhe o olho, apertei-lhe a mão, mas o que ele queria era um ponto de interrogação (o tarado!). STOP"
Aqui há uma coisa do género, curiosamente feita por rapazes e raparigas, e apesar de ser uma melodia sem sentido, não tem a violência das que nós usávamos. É uma sequência de sons tipo "wiggy wiggy wa wa" e lá pelo meio mete uma parvoice tipo "smart boys, lazy girls" mas nada que chegue aos calcanhares das cuecas do juiz e da morte violenta da sogra...
Não querendo ser chatinha e repetitiva, a mim ainda ninguém disse nada (além dos meus amigos e familiares, claro). Já agora, quando o Governo faz estas recomendações, fá-lo através de que canais? Nós estamos registados na Embaixada Portuguesa da Arábia Saudita, uma vez que o Bahrain não tem representação diplomática portuguesa e o "Governo" tem todos os nossos contactos. Ainda bem que temos acesso às noticias de Portugal e conseguimos ler as recomendações do governo português nos jornais...
imagem aljazeera - retomada da rotunda da pérola
Só não consigo perceber o que lhes passa pela cabeça para, depois de tudo o que ali aconteceu nos últimos dias, insistirem em levar as crianças com eles...
Dos nossos representantes consulares nesta zona, nem fumo nem rasto. Sinto-me descriminada - os meus amigos ingleses, americanos, franceses, espanhóis, brasileiros, etc falam entre si e dizem "a minha embaixada isto", "o consul aquilo", "enviaram-me por e-mail os formulários de extradição", etc, etc e eu não tenho nada para dizer. Outsider nesta conversa. A minha embaixada, consulado ou o que seja não me disse nada. Nem por telefone, nem por e-mail, nem por carta registada, pombo correio ou whatever... Já o jornal SOL conseguiu o contacto de um dos cerca de 70 portugueses que vivem no Bahrain e falou com ele. Fiquei a saber pelo SOL que o governo português recomenda «que os cidadãos nacionais evitem os locais das manifestações e se mantenham permanentemente informados sobre a evolução da situação política e de segurança no país». Obrigadinha, Jornal SOL
a horta já tem direito a etiqueta e tudo
futebol mas só porque estamos em alturas